Fazer ou não fazer uma revisão literária de obras de Carolina Maria de Jesus, eis a questão

5 de outubro de 2021


Por Graça Sette, coautora de InterAção-Português

Mais conhecida pelo livro Quarto de Despejo: diário de uma favelada, publicado em 1960, Carolina Maria de Jesus teve recentemente publicada pela Companhia das Letras a obra Casa de Alvenaria, o que suscitou a seguinte discussão: é pertinente ou não uma revisão literária com foco gramatical para adequação de seu texto à norma padrão de prestígio?

Há argumentos sustentados para defender ou refutar um ou outro posicionamento, mas sempre valorizando a obra da autora e questionando a relação entre literatura e gramática.

Por que realizar a revisão literária?

A professora de literatura Regina Dalcastagné, da UNB, em sua página no Facebook (15/08/2021), defende a revisão literária: “[…] discordo completamente da decisão de manter a gramática original de Carolina, com todos os seus muitos desvios da norma padrão da língua, sobretudo na ortografia”. 

Nessa postagem, ela ainda destaca que Carolina é uma das maiores escritoras do Brasil e que obras de autores brasileiros relevantes como ela passam por uma revisão criteriosa sem comprometer a voz e o estilo autoral. Considera também que, ao escolher não revisar a obra, a editora “Aposta em manter Carolina Maria de Jesus nas margens da literatura brasileira, vista como uma curiosidade”.

E por que não realizá-la?

Segundo a coluna de Sérgio Rodrigues, publicada na “Folha de S. Paulo” (18/08/2021), a escritora Conceição Evaristo – que faz parte do conselho que edita a obra – defende o respeito integral ao texto original: “Pensar esse texto é pensar como as classes populares se apropriam da língua portuguesa e ainda quem a normatiza”.

Em relação à posição editorial exposta acima, seria possível fazer uma analogia entre as obras artísticas de Carolina Maria de Jesus, Patativa do Assaré e Adoniran Barbosa, por exemplo. Revisar as letras de canções de Adoniran e os poemas de cordel de Patativa seria destruir a poética desses criadores literários, que têm como traço forte reproduzir e recriar a fala popular como estilo e forma de resistência cultural.

Em oposição à estigmatização, que considera as variantes populares como “erradas”, as obras de Carolina, Patativa e Adoniran expressam a adequação da linguagem empregada por eles ao tema e às situações de vulnerabilidade e invisibilidade que retratam e denunciam.

A importância de levar a temática à escola

A revisão literária de obras brasileiras trata-se de um debate complexo e relevante que pode fomentar, nas aulas de Língua Portuguesa e Literatura do Ensino Médio, uma discussão produtiva e enriquecedora sobre o que é literatura e gramática, o estilo individual dos autores, as diferenças entre as modalidades oral e escrita, o respeito às variedades linguísticas e a adequação da linguagem à situação de uso. Além disso, é claro, motivar os estudantes a ler, ouvir e fruir essas obras imperdíveis.

Para saber mais: Gramática de Carolina de Jesus serve para marcar o racismo na literatura

Para ler: Casa de alvenaria: diário de uma ex-favelada e Quarto de despejo: diário de uma favelada, de Carolina Maria de Jesus. 

Cante lá que eu canto cá: filosofia de um trovador nordestino, Patativa do Assaré. 

Para ouvir: Samba do Arnesto e Tiro ao Álvaro e As mariposa, de Adoniran Barbosa.

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